Ester Silva Chaves2
https://orcid.org/0000-0002-1165-7281
Alessandra de Rezende Ramos3
https://orcid.org/0000-0001-9566-4333
Aline Andréia Nicolli4
https://orcid.org/0000-0001-6594-0560
Resumo
O trabalho apresenta uma discussão dos sentidos que emergem dos discursos que compuseram a autoavaliação realizada por mestrandos que frequentaram a disciplina História e Filosofia da Ciência, de um Programa de Pós- Graduação em Educação em Ciências e Matemática ofertado no Norte do Brasil. O referencial teórico-metodológico fundamenta-se na Análise de Discurso. O corpus empírico é sistematizado com auxílio do software IRaMuTeQ. Os resultados evidenciam a escassa e frágil cultura da autoavaliação na universidade. A partir das análises e reflexões realizadas, debate-se algumas considerações que poderão subsidiar práticas docentes viabilizando o desenvolvimento e aprimoramento da autoavaliação, na busca por uma prática formativa presente nos processos de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Análise de discurso. Diário de bordo. Discentes. Autoavaliação. Silêncio.
Self-assessmen the discourse of master's students in Education in Science and Mathematics at a public University: the silence that means
Abstract:
This work discusses discourse meanings that emerge from a self-assessment activity carried out by master's students who attended the History and Philosophy of Science discipline of the Postgraduate Program in Science and Mathematics Education, offered in the Northern region of Brazil. It is based on the theoretical-methodological framework of Discourse Analysis, with the empirical corpus systematized by IRaMuTeQ software. The results showed the culture's unusual and fragile self-assessment at the university level. Based on the analyses carried out and the reflection on the theoretical support used, a set of considerations is woven that may support teaching practices and enable the development and improvement of self-assessment to effectively become a formative practice in the teaching and learning processes.
Keywords: Discourse Analysis. Logbook. Students. Self-assessment. Silence.
1 Este trabalho é fruto de dissertação.
2 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Marabá: esterchaves@unifesspa.edu.br.
3 Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém: rezende@unifesspa.edu.br.
4 Universidade Federal do Acre, Rio Branco: aanicolli@gmail.com.
Na última década, a preocupação com a autoavaliação tem, mesmo que de forma tímida, em níveis mundial (Martínez et al., 2020; Nugteren et al., 2018) e nacional (Lopes, 2018; Lopes; Moura, 2018; Reis, 2014), recebido destaque nas pesquisas educacionais. Nesta temática, destaca-se os autores Aboud (1995) e Régnier (2002), considerados pioneiros nas discussões, buscando conceituar o termo autoavaliação.
Nugteren et al. (2018), ao pesquisar sobre as tarefas de aprendizagem de alunos do Ensino Médio, observam que a autoavaliação realizada por eles é imprecisa e insuficiente. No Ensino Superior, pode-se destacar o trabalho de Martinez et al. (2020), que aborda a autoavaliação a partir da análise de diários de bordo, tendo-a como estratégia para melhorar a aprendizagem. Além disso, o trabalho de Reis (2014) discute a autoavaliação como componente colaborativo na prática docente. Aboud (1995), por sua vez, debate a capacidade de aprimorar o aprendizado por meio da autoavaliação, enquanto Régnier (2002) argumenta acerca da importância da autoavaliação na sala de aula.
As pesquisas citadas ratificam princípios que fundamentam a autoavaliação, enquanto processo formativo, voltada ao ensino e aprendizagem, ou seja, às práticas desenvolvidas em contexto de sala de aula. Apesar disso, convém fazer, mesmo que brevemente, uma análise do cenário nacional no que se refere à política da autoavaliação desenvolvida no âmbito da Educação Superior brasileira. Esta se volta prioritariamente à instituição, seja pela presença da Lei n.º 10.861/2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), seja pela recente valorização de propostas e práticas de Autoavaliação dos Programas de Pós- Graduação, na Ficha de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Assim sendo, pretende-se problematizar a autoavaliação a partir dos processos de ensino e aprendizagem, uma vez que a intenção é refletir sobre a importância de os alunos exercitarem o olhar para si, desenvolvendo o hábito de registrar suas próprias percepções sobre a aula e sua participação nela em um Diário de Bordo. Defende-se, dessa forma, que práticas contínuas e frequentes que estimulam o olhar para si se configuram como possibilidade formativa para estudantes e professores e, além disso, alavancam, em contexto educacional, a cultura da autoavaliação.
Villas Boas (2008, p. 51) revela que “a autoavaliação é um componente da avaliação formativa. Refere-se ao processo pelo qual o próprio aluno analisa continuamente as atividades em desenvolvimento, registra suas próprias percepções e identifica futuras ações, para que haja um avanço na aprendizagem”.
Para além disso, segundo Orlandi (2023), os discursos do professor e de seus alunos se apresentam carregados de elementos que caracterizam suas trajetórias históricas, o que pensam sobre suas profissões, sobre as práticas que desenvolvem, sobre os processos de ensino e aprendizagem dos quais participam e, da mesma forma, sobre a relação entre professor e alunos, ou vice-versa, que estabelecem. Sendo assim,
[...] o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos. […] A análise de conteúdo, como sabemos, procura extrair sentidos dos textos, respondendo à questão: o que este texto quer dizer? Diferentemente da análise de conteúdo, a análise de discurso considera que a linguagem não é transparente. Desse modo ela não procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. A questão que ela coloca é: como este texto significa? (Orlandi, 2023, p. 17).
Dito isso, segundo Nascimento et al. (2021, p. 5), “é importante considerar que a análise desses discursos é fundamental, pois, nos processos de ensino e de aprendizagem, aquele que ensina e aquele que aprende possuem papéis que se confundem”, e a linguagem não é transparente. Diante disso, aborda-se, neste artigo, elementos da seguinte questão de pesquisa: quais sentidos emergem dos discursos que compuseram a atividade de autoavaliação realizada por mestrandos, que frequentaram a disciplina História e Filosofia da Ciência, de um Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM), ofertado na região Norte do Brasil, e como eles podem fomentar o aprimoramento do processo avaliativo, tornando-o uma prática formativa que alavanca o ensino e a aprendizagem?
Destarte, o objetivo principal deste trabalho é traçar um panorama dos sentidos que emergem dos discursos que compuseram a atividade de autoavaliação, realizada pelos estudantes, para fomentar o aprimoramento do processo avaliativo, tornando-o uma prática formativa que estimula o ensino e a aprendizagem. Para tanto, o artigo está estruturado da seguinte forma: a próxima seção traz alguns pressupostos teóricos que caracterizam as defesas em relação à autoavaliação; em seguida, apresenta-se a metodologia de pesquisa delineada; depois, são expostos os principais resultados e algumas discussões; e, por último, tem-se as considerações finais.
Etimologicamente, a palavra autoavaliação deriva da junção do prefixo auto, do grego autós, que significa próprio, eu mesmo com o substantivo avaliação, do ato de avaliar, que significa compreender, conhecer. Ou seja, avaliar-se é o processo pelo qual o sujeito busca compreender a si mesmo. Aboud (1995, p. 1) define a autoavaliação e seu início da seguinte forma: “Sempre que aprendemos nos questionamos: 'Como estou?', 'É isso suficiente?', 'Isso está certo?', 'Como posso saber?', 'Devo ir mais longe?'. O ato de questionar promove um autojulgamento, para a tomada de decisões sobre a próxima etapa. Isso é autoavaliação”. Régnier (2002, p. 5) corrobora essa concepção dizendo que a autoavaliação é: “um processo pelo qual um indivíduo avalia por si mesmo, e geralmente para si mesmo, uma produção, uma ação, uma conduta da qual ele é o autor, ou ainda suas capacidades, seus gostos, suas performances e suas competências ou a si mesmo enquanto totalidade”.
Para Abolfazli e Sadeghi (2012), a autoavaliação é um processo em que o aluno julga sua realização em relação a si mesmo, de acordo com seus critérios de aprendizagem. Martínez et al. (2020) concordam com essa ideia e afirmam que a autoavaliação é conhecida como avaliação independente e pode ser considerada um elemento essencial na avaliação do indivíduo. Defendem-na como uma sessão prática em que os alunos podem julgar suas ações de acordo com uma tarefa específica da aprendizagem e, ao mesmo tempo, refletir sobre o nível de controle para alcançar a aprendizagem.
Contudo, esse momento não é simples, nem rápido, sendo desafiador para quem o pratica. Segundo Aboud (1995, p. 1), “a autoavaliação embora comumente retratada como uma técnica para melhorar o aprendizado, é mais transformadora, elusiva e confrontante para o ensino convencional do que normalmente é conveniente reconhecer”. Assim, entende-se que autoavaliação é algo que causa mudança, é difícil de ser explicado e coloca a pessoa diante daquilo que está avaliando, nesse caso, diante dela mesma. Por isso, a autoavaliação, em contexto acadêmico, acontece quando o aluno, por exemplo, busca refletir sobre suas atitudes de forma precisa, pois essa prática é intrínseca ao monitoramento e configura-se como parte da aprendizagem autorregulada. A ideia de autoavaliação articulada ao monitoramento é também sustentada por Nugteren et al. (2018, p. 3) quando indicam que, “quando os alunos praticam uma ou mais tarefas de aprendizagem, eles podem monitorar (ou seja, autoavaliar) seu desempenho, e usar essas informações de autoavaliação para controlar sua próxima etapa de aprendizagem”.
Mas qual a importância de autoavaliar-se? A relevância da autoavaliação não se concentra apenas em mostrar os conhecimentos adquiridos pelos alunos, mas também em fornecer feedback aos alunos e professores (Abolfazli; Sadeghi, 2012). O feedback é uma resposta sobre a qualidade da tarefa realizada. De acordo com Braund e DeLuca (2018, p. 5), as autoavaliações são importantes, pois apresentam-se como
[...] uma forma crucial de incentivar os alunos a refletir sobre a necessidade da sua aprendizagem. [...] Autoavaliação utilizada de natureza formativa pode ajudar os alunos a resolver suas lacunas e desenvolver uma melhor compreensão de onde sua aprendizagem está em relação ao objetivo de aprendizagem.
A autoavaliação produzirá mais resultados se for utilizada em sua essência formativa, ou seja, durante os processos de ensino e aprendizagem, de forma a autorregular a aprendizagem, gerenciar pensamentos, emoções, atitudes, promovendo uma postura de responsabilidade e autonomia na construção do conhecimento.
Segundo Martínez et al. (2020), ao assumir um papel ativo, o aluno desenvolve habilidades metacognitivas que transcendem a sala de aula e se projetam em seu dia a dia. Nesse sentido, considera-se que a autoavaliação garante ao aluno a liberdade necessária para aprender de forma autônoma.
O professor, por sua vez, tem papel fundamental tanto nos processos de ensino e aprendizagem como na promoção da cultura de autoavaliação. Martínez et al. (2020, p.1) indicam que “a autoavaliação torna-se uma ferramenta de ensino, graças à qual se adquire conhecimentos e se promove a aprendizagem, mas sem que os professores percam o seu papel central no processo de ensino e aprendizagem”.
Nota-se que é papel do professor tornar o objetivo da aprendizagem explícito, promovendo a compreensão do aluno, de forma objetiva, sobre qual o sentido da autoavaliação. Assim, o sistema de ensino inovador é aquele permeado constantemente pela autoavaliação, pois, por meio dela, com ela ou a partir dela se torna possível identificar, em relação aos processos de ensino e aprendizagem, os pontos fortes e os que precisam ser melhorados bem como, da mesma forma, em relação aos sujeitos que participam do processo, reconhece-se elementos sobre o desempenho do estudante que se autoavalia e sobre a performance do profissional que conduz o processo.
Reis (2014, p. 24), no entanto, alerta que
[...] não é fácil incentivar e implementar a autoavaliação sem que os participantes entendam as verdadeiras intenções, as fragilidades e as limitações que surgem com esse tipo de avaliação. Por isso, faz-se necessário criar um ambiente de confiança e que os objetivos dessa avaliação estejam claros, para que todos conheçam suas responsabilidades e tenham comprometimento ao realizá-la.
Tem-se, então, que reconhecer a complexidade da autoavaliação e a importância de praticá-lo constantemente. Por isso, Kabilan e Khan (2012) afirmam que o uso do Diário de Bordo é uma das abordagens mais eficazes na divulgação de aprendizagem independente, na autoavaliação, na prática reflexiva, na organização, na metacognição, entre outras possibilidades. Os autores acreditam no potencial desse registro como um espaço em que professores e alunos podem relatar de forma autorreflexiva e autoavaliativa elementos do ensino e da aprendizagem.
Cabe destacar que a prática da autoavaliação, por meio do uso constante de Diários de Bordo, promove o desenvolvimento de postura ativa dos sujeitos em relação à aprendizagem, sendo que tal posicionamento se faz presente também em seus discursos, o que justifica a consideração dos pressupostos teórico-metodológicos da Análise do Discurso (AD) como possibilidade para compreender os sentidos que emergem dos discursos e, além disso, conhecer sua posição e identidade social. Esclarece-se ao leitor que, entre os diversos dispositivos analíticos da AD, optou-se por, quando da produção do corpus empírico, a partir dos Diários de Bordo produzidos pelos estudantes, enfatizar três, quais sejam: a condição de produção, a ideologia e o silêncio.
Em termos de condição de produção, busca-se compreender a relação entre o sujeito que fala e o sujeito que ouve. Michel Pêcheux (1995, p. 182) identifica a condição de produção como “determinações que caracterizam um processo discursivo”. Em certo discurso, existem “circunstâncias dadas”, a circunstância do discurso é sua condição de produção (Pêcheux, 1995, p. 182).
Para considerar a ideologia, na perspectiva da AD, parte-se do pressuposto de que o discurso é o lugar no qual se pode compreender a relação entre a língua e a ideologia, não se tratando, assim, de transmissão de informação, mas sim da linguagem que funciona para colocar sujeitos em relação e produzir sentidos pela língua e pela história. Expressado de outra maneira, a palavra em movimento caracteriza o discurso (Orlandi, 2023).
O silêncio, por sua vez, na AD, possui significado, por isso está no sentido. A intenção de Orlandi (2020) é mostrar que o silêncio está ligado à história e à ideologia. Sendo assim, a autora distingue:
a) o silêncio fundador, aquele que existe nas palavras, que significa o não-dito e que dá espaço de recuo significante, produzindo as condições para significar; b
1) silêncio constitutivo, o que nos indica que para dizer é preciso não-dizer; e b
2) o silêncio local, que se refere à censura propriamente (Orlandi, 2020, p. 24).
Dito de outra forma, o silêncio fundador é a respiração da significação, local de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. No silêncio constitutivo, no entanto, temos o seguinte: (a) aquilo que dizemos para não dizer, ou seja, quando uma palavra apaga necessariamente as “outras” palavras, por isso, ao dizer “sem medo” eu não digo “com coragem”; ou (b) aquilo que é proibido dizer em certa conjuntura (Orlandi, 2020). A AD permite transpor a superficialidade da leitura inicial do texto e realizar uma imersão para compreender a intencionalidade presente no conteúdo discursivo.
A pesquisa apresenta abordagem qualiquantitativa. Foi desenvolvida com o objetivo de compreender os sentidos que emergem dos discursos que compuseram a atividade de autoavaliação realizada por mestrandos que frequentaram a disciplina História e Filosofia da Ciência, de um PPGECM. Também tencionou verificar como estes podem fomentar o aprimoramento do processo avaliativo, tornando-o uma prática formativa que alavanca o ensino e a aprendizagem. Assim sendo, o engajamento dos sujeitos se deu a partir do registro realizado em seus Diários de Bordo quando da participação das atividades da referida disciplina no ano de 2019 diante da seguinte questão: autoavaliação.
As respostas foram sistematização com auxílio do IRaMuTeQ, um software que possui acesso gratuito, linguagem python, atualmente conta com dicionários em português e utiliza a interface R. O IRaMuTeQ possibilita o processamento de dados qualitativos. Optou-se pela organização de nuvens de palavras e análise de similitude. Justo e Camargo (2013) explicam que a análise de similitude se baseia na teoria dos grafos, possibilita identificar as ocorrências entre as palavras e seu resultado traz indicações da conexidade entre as palavras, auxiliando na identificação da estrutura de um corpus textual, distinguindo também as partes comuns e as especificidades em função das variáveis ilustrativas (descritivas) identificadas na análise. Ainda, para os mesmos autores, a nuvem de palavras agrupa as palavras e as organiza graficamente em função de sua frequência. É uma análise lexical mais simples, porém interessante (Justo; Camargo, 2013).
Além disso, as análises se deram à luz da AD, uma abordagem teórico-metodológica que tem contribuído, desde 1960, com o entendimento mais aprofundado do discurso, extrapolando o significado das palavras, uma vez que a análise de discurso não trata da língua, não trata da gramática. Para Orlandi (2023), o discurso se caracteriza como um lugar permeado pela relação da língua e da ideologia, representando, ainda, a língua que produz sentidos por e/ou para os sujeitos (Pêcheux, 1995). Assim sendo, não se julgará as posições dos sujeitos e, de maneira similar, não serão emitidos quaisquer juízos de valor, pois o que se objetiva é compreender a essência do discurso.
Por fim, reitera-se que a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e aprovada por ele. Assim, garantiu-se a eticidade e a validade acadêmica do trabalho.
Como dito anteriormente, o corpus empírico foi produzido a partir da análise dos Diários de Bordo organizados pelos 17 estudantes matriculados na disciplina de História e Filosofia da Ciência de um PPGECM ofertado na região Norte do Brasil, no ano de 2019. Em termos de condições de produção, especialmente, as imediatas, que dizem respeito ao sujeito e à situação, tem-se o seguinte: todos eram estudantes de Pós-Graduação, sendo que a maioria cursava o segundo ano do Mestrado. Onze atuavam como professores da Educação Básica. Seis se declararam do gênero masculino, e 11, do gênero feminino. Em relação à formação inicial: 4 cursaram Ciências Biológicas, sendo 2 licenciados e 2 bacharéis; 2 possuem Licenciatura em Matemática; 5 são egressos da Pedagogia, 4 são licenciados em Ciências da Natureza; 1 é formado em Ciências Agrárias; e 1, licenciado em Física.
Nos Diários de Bordo, os estudantes registraram aspectos acerca de 5 questões, contudo, tendo em vista o problema desta pesquisa, apenas a pergunta referente a autoavaliação foi objeto de análise. Além disso, para fins de análises, considera-se as aulas que contaram com 100% de frequência dos estudantes matriculados. Por isso, levou-se em conta os registros realizados em 4 aulas, quais sejam: segunda aula, “Mito e Ciência”; terceira aula, “História da Filosofia e suas interligações”; quarta aula, “Mulheres na Ciência”; e quinta aula, “Filmes e o Ensino de Ciências”.
Nas Figuras 1, 2, 3 e 4, apresenta-se a sistematização organizada em grafos de similitude e nuvens de palavras e algumas das principais análises tecidas a partir das interpretações possíveis.
Figura 1 – Sentidos produzidos nos registros da aula Mito e Ciência: a) Grafos de similitude, b) Nuvem de palavra
Fonte: Elaborada pelas autoras.
A Figura 1 apresenta a sistematização do material produzido na aula sobre “Mito e Ciência”. Evidencia que as palavras em destaque no discurso dos sujeitos, quando fizeram seus registros sobre autoavaliação, foram aula, mito, forma, conhecimento, relação, que se relacionam diretamente com o conteúdo e a metodologia utilizada durante a aula. Da mesma forma, os traços mais espessos do grafo da análise de similitude destacam a associação entre forma e aula; por isso, evidenciam a metodologia utilizada pelo professor. As palavras relação e mito, apesar de não estarem diretamente ligadas, apresentam conexão, pois a aula abordou a relação entre mito e ciência. Os registros encontrados nos Diários de Bordo exemplificam o exposto; e chama a atenção a tentativa que o aluno 13 fez para realizar a autoavaliação mesmo que a partir da incorporação de outros discursos já ouvidos: “Trouxe uma visão que até então eu não tinha quanto ao mito, de ser relacionado a algo presente nas relações sociais, fato que é importante como pesquisadora e professora”.
Na Figura 2, os grafos denotam uma forte ligação entre aula, sala de aula e aluno, sendo que, na nuvem de palavras, os destaques foram: aula, assunto, sala de aula, levar e relação. Mais uma vez, a tarefa da autoavaliação foi sucumbida pelas respostas que destacam a forma como o professor abordou o assunto de “Filosofia e Ciência” na sala. Para ratificar o exposto, apresenta- se abaixo trechos dos registros encontrados nos diários:
Aluno 9 - A exposição feita pelo professor nessa aula foi tão empolgante que confesso não ter sentido vontade ou necessidade de interromper para fazer muitos questionamentos. Contudo, muitas coisas sobre as quais eu não havia pensado ficaram claras para mim.
Aluno 17 - Toda a discussão no decorrer da aula me levou a compreender diversas formas de entender que a indisciplina no sentido de “negar a disciplina” que […] nos leva a assumir postura de compreender mais amplamente as diversas situações reais da vida.
Figura 2 – Sentidos produzidos nos registros da aula “História da Filosofia” e suas interligações: a) Grafos de similitude; b) Nuvem de palavra
Fonte: Elaborada pelas autoras.
A aula sobre “Mulheres na Ciência” foi realizada no laboratório de Informática com o objetivo de permitir que os discentes conhecessem a vida e obra de mulheres cientistas, destacando suas contribuições para a ciência. Caracterizou-se como um momento para problematizar o tema.
A análise de similitude e a nuvem de palavras, apresentadas na Figura 3, evidenciou os termos aula, falar, realizar, considerar, participar, estar, atividade e contribuir. Para complementar a análise do que foi observado no grafo e na nuvem de palavras, abaixo transcreve-se trechos dos diários dos alunos:
Aluno 1 – Em cada aula eu me encanto mais sobre os temas tratados, estou extremamente grata de poder participar e aprender sobre as grandes mulheres na ciência.
Aluno 16 – Convém ressaltar que ocorreu uma aula agradável, onde todos puderam falar e expressar sua definição ou opinião dos assuntos abordados, tendo com isso uma aula agradável e dinâmica, que se usou da oralidade, que contribuíram para uma melhor divulgação dos conteúdos expostos. Para mim, foi uma aula muito boa.
Figura 3 – Sentidos produzidos nos registros da aula “Mulheres na Ciência”: a) Grafos de similitude; b) Nuvem de palavra
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Na aula que contemplou a temática “Filmes e o Ensino de Ciências”, a análise de similitude (Figura 4a) demonstrou que as duas ramificações do grafo conectam as seguintes palavras: filme, assistir, sala de aula. Ao analisar a nuvem de palavras (Figura 4b), os termos em evidência são filme, aprender, sala de aula, estar, identificar, vivenciar e aula. Os registros nos Diários de Bordo revelaram a afinidade dos alunos com esse tipo de recurso didático, mas, novamente, evidenciam um afastamento da atividade proposta em termos de autoavaliação, vejamos:
Aluno 6 – Experiência muito rica. No quesito filme, como recurso metodológico a fim de diversificar os meios de ensino-aprendizagem, foi possível observar, em um só momento, o quão vasto é a possibilidade de incrementar e diversificar nossas aulas.
Aluno 12 – A atividade foi extremamente proveitosa, muito dinâmica e inovadora. Nos levou a uma reflexão acerca de alguns filmes que já havíamos assistido, mas que, no meu caso, não tinha enxergado a ciência presente no filme. A parte de defesa das sinopses contribuiu muito para [que], mesmo não assistindo aos demais filmes, pudéssemos ter noção do quanto de ciência há nesses filmes e como eles podem ser utilizados em disciplinas como química, física e biologia, de modo a contribuir para um aprendizado a partir de uma nova metodologia.
Figura 4 – Sentidos produzidos nos registros da aula sobre “Filmes e o Ensino de Ciências”: a) Grafos de similitude; b) Nuvem de palavra
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Da análise dos sentidos sistematizados nas Figuras 1 a 4 e das falas dos sujeitos de pesquisa, é possível notar que, de forma geral, nas diferentes aulas e nos distintos discursos dos sujeitos da pesquisa, são poucos os elementos que caracterizam efetivamente a autoavaliação. Afirma-se isso porque se defende a autoavaliação como processo que ocorre quando “os alunos olham para os seus próprios trabalhos, de forma reflexiva, e identificam aspectos que podem ser melhorados e, em seguida, definem metas de aprendizagem” (O’Loughlin; Ni Chróinín; O’Grady, 2013, p. 3). No entanto, a análise do corpus empírico produzida e apresentada nas Figuras 1 a 4 evidencia que é mais comum aos sujeitos avaliarem o sistema educacional, a escola, o aluno, o conteúdo, o colega de profissão. Ou seja, é mais costumeiro avaliar o outro do que se avaliar.
Sendo assim, é assertivo dizer que refletir e atribuir elementos que caracterizam o desempenho das próprias potencialidades e erros exige um movimento que ainda, no caso em tela, os sujeitos não estavam preparados para fazer e, por isso, silenciaram. A autoavaliação, nesse caso, objetivo central da tarefa atribuída aos sujeitos, faz-se presente, nos discursos registrados nos Diários de Bordos, muito mais pelo não-dito do que pelo dito.
Então, qual é o significado do silêncio presente na autoavaliação? Por que os alunos optaram por impregnar o discurso de excesso de conhecimento sobre o outro em vez de impregná-lo de considerações sobre si mesmo?
Tais questões exigem que, primeiro, considere-se o fato de que, segundo Pêcheux (1997), o sujeito não se dá conta de que seu dizer (ou o não dito) está condicionado a um já dito, e este já dito está imbricado em determinados lugares sociais. Assim, o silêncio dos sujeitos de pesquisa reflete, primeiro, a ausência da realização de práticas de autoavaliação, que, segundo Reis (2014), é um sintoma da fragilidade dessa proposta na rotina e nos ambientes educacionais.
Sendo assim, a cultura da autoavaliação deve ser compreendida como uma resposta à dificuldade que se tem em realizá-la. Para que ela se transforme em uma cultura, nos espaços educacionais, deve ser efetivamente inserida no cotidiano formativo, em especial, de professores, permitindo que eles, ao longo do processo, pratiquem entre si para que, depois de formados, sintam-se à vontade para torná-la tarefa cotidiana em suas práticas docentes, de forma que se constitua como etapa formativa dos processos de ensino e aprendizagem.
Depois, o não dito sobre a autoavaliação está permeado de ideologias, posto que ela se relaciona com a necessária autonomia que permite a realização de um autojulgamento. Como consequência, se o ato de se autoavaliar pressupõe a reflexão sobre si mesmo, fortalece o autoconhecimento e permite, aos diversos atores do processo, a tomada de outras e melhores decisões. Vale ressaltar, ainda, que realizar a autoavaliação não é algo simplório; por isso, não há um exercício que pode ser designado ao professor e/ou aluno para que, de forma automática, eles olhem para dentro de si e reconheçam seu desempenho, suas limitações, suas dificuldades, suas competências e seus sucessos. Ao contrário, a complexidade do processo exige a inclusão da autoavaliação de forma recorrente para que o aluno se habitue a refletir sobre sua participação no processo formativo (Lopes; Moura, 2018).
Assim sendo, o não dito sobre e na autoavaliação pode indicar uma tendência parcial, política e ideológica que se legitima pela posição que o sujeito ocupa. Segundo Orlandi (2020, p. 10), “a parte voltada ao silêncio é, sempre, em qualquer conjuntura histórico-social, mais importante do que o que se diz”. Dito de outra forma,
[...] o silêncio não é, pois, em nossa perspectiva, o “tudo” da linguagem. Nem o ideal do lugar “outro”, como não é tampouco o abismo dos sentidos. Ele é, sim, a possibilidade para o sujeito de trabalhar sua contradição constitutiva, a que o situa na relação do “um” com o “múltiplo”, a que aceita a reduplicação e o deslocamento que nos deixam ver que todo discurso sempre se remete a outro discurso que lhe dá realidade significativa (Orlandi, 2020, p. 24).
Nesse caso, o não dito faz emergir sentidos que nos remetem a considerar a estreita relação que deveria existir entre os papéis que professores e alunos exercem, cotidianamente, quando envoltos no ensino e aprendizagem com a função do conteúdo abordado, dos objetivos delineados, das metodologias escolhidas e da forma como se desencadeiam os processos de avaliação e de autoavaliação.
Por fim, destaca-se que o não dito, em termos de autoavaliação, não deve ser entendido como ausência. Ao contrário, deve-se ter no silêncio a base para a busca de algo que se deseja, que, no caso em tela, diz respeito à construção de uma cultura de autoavaliação em contexto educacional.
A autoavaliação caracteriza-se, nesta pesquisa, como uma importante etapa do processo formativo, posto que não foca apenas no resultado, mas na possibilidade de identificação de aspectos relevantes que podem ser melhorados ou mais bem explorados, de forma a viabilizar melhores e mais eficientes práticas pedagógicas e movimentos de ensino e aprendizagem. Sendo assim, na forma defendida neste texto, a autoavaliação pressupõe a reflexão pessoal em busca do amadurecimento, do crescimento, do desenvolvimento do próprio sujeito de maneira mais autônoma, crítica e ativa. Esse movimento faz toda a diferença em termos tanto de práticas pedagógicas como de ensino e aprendizagem.
No entanto, o corpus empírico, da presente pesquisa, como relatado ao longo do texto, evidenciou que a autoavaliação se apresenta de forma tímida em contexto educacional. De modo geral, primeiro, ele denuncia que os sujeitos possuem mais facilidade para avaliar o sistema educacional, a escola, o aluno, o conteúdo ou o colega de profissão, do que para se autoavaliar. Depois, ele revela a ausência de uma cultura de autoavaliação nas instituições de ensino, de maneira que os sujeitos se colocam à disposição dos processos avaliativos, por força das regras que costumeiramente conduzem suas práticas formativas, mas não se colocam à disposição de sua autoavaliação.
Por fim, mas não menos importante, o silenciamento da autoavaliação, evidenciado na análise do corpus empírico, demonstra que, se algo foi dito, algo ficou inevitavelmente silenciado; nesse caso, o dito refere-se à avaliação e o silenciado à autoavaliação, mas isso não é o fim. Ao contrário, deve ser o início de um reconhecimento de um espaço que precisa se abrir, de algo que precisa acontecer, de algo que precisa se estabelecer e se estabilizar, em contexto educacional, nas práticas pedagógicas e no ensino e na aprendizagem para que não seja silenciado ou, ainda, para que possa, efetivamente, ser dito numa próxima vez.
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