HERNÁNDEZ, Fernando Hernández; ANGUITA, Marisol (orgs). Una Pedagogia Desobediente: tejer la vida del aula y de la escuela desde proyectos de indagación. Octaedro: Barcelona, 2023. 320 p.
Ana Cristina Gonçalves de Abreu Souza[1]
https://orcid.org/0000-0003-0943-9362
Bettina Steren Santos[2]
https://orcid.org/0000-0002-5595-232X
Apresentamos a resenha do livro Una Pedagogia Desobediente: tejer la vida del aula y de la escuela desde proyectos de indagación, de organização dos pesquisadores espanhóis Fernando Hernández Hernández e Anguita Marisol, publicado em novembro do ano de 2023 pela Editora Octaedro – Barcelona, na Espanha. A obra organiza-se em três partes, totalizando 12 capítulos, com 320 páginas, e participam da publicação 15 autores. A obra traz reflexões que os organizadores denominam de aprender mediante projetos de trabalho, desenvolvida e experimentada na escola espanhola Pompeu de Fabra.
Os organizadores apresentam o livro como um conjunto de relatos de experiências em que compartilham quem são e o que querem ser, quando se implica e participa da vida da aula e da Escola. É uma trama de histórias e indagações em que os autores compartilham diversas experiências nos diferentes segmentos da educação, como educação infantil, educação primária (Ensino Fundamental no Brasil), educação secundária (Ensino Médio no Brasil) e educação universitária (Ensino Superior no Brasil). A obra traz experiências cotidianas da escola, pensamentos e práticas em que a indagação gera experiências, conhecimentos e saberes.
A primeira parte da obra, com o capítulo 1, intitulado Situar algunas coordenadas para transitar por la propuesta del livro, o autor Fernando Hernández Hernández, em uma narrativa robusta e profunda, convida a compreender pensamentos e conceitos que incorporam a obra, a fim de evidenciar visões teóricas que fundamentam os conhecimentos produzidos a partir de paradigmas progressistas e críticos, e assim, pensarmos a Educação e os movimentos educacionais na construção do saber. São 88 páginas que o autor divide em 4 partes, cada uma trazendo seções de aprofundamento: 1. Aprender no marco das relações afetivas; 2. Os sentidos de aprender de maneira relacional e globalizada; 3. Aprender mediante projetos: apontamentos para uma genealogia de uma práxis mutante; e 4. Aprender a partir de projetos: convite a uma pedagogia desobediente. A primeira parte do capítulo oportuniza ao leitor compreender o conceito do aprender em suas diferentes dimensões e evidencia a importância das relações afetivas, trocando contribuições com autores como Marina Garcés e Spinoza. Continuando, o autor discute e indaga sobre a descentralização da aprendizagem e o resgate da educação, questionando o papel hegemônico de algumas ações institucionalizadas no processo educativo por meio de organizações internacionais que acabam por reduzir a compreensão sobre o aprender. O autor ainda desenvolve, com maestria, aprofundamentos sobre o aprender e a aprendizagem, trazendo diálogos com obras de autores contemporâneos importantes para pensar a proposta interdisciplinar para a aprendizagem. A segunda parte do capítulo revela os sentidos do aprender de maneira relacional e globalizada. Hernández faz indagações importantes para pensarmos como reconhecer e estabelecer relações entre experiências, informações, conhecimentos e saberes em âmbito comum e coletivo com relações de confiança e colaboração, e apresenta uma genealogia sobre globalizar na educação escolar. Hernández também traz importantes estudos contextualizando concepções e movimentos, em um processo histórico, para pensarmos o campo da educação, iniciando pela Escola Nova e seus apontamentos teóricos, e complementa com contribuições de Decroly, Dewey, Freinet, Freire, e assim, a partir de aprofundamentos, nos leva a pensar um currículo integrado. Na última parte do capítulo, o autor faz pensar sobre o aprender mediante projetos, e nos convida a compreender uma genealogia que denomina prática mutante, apontando historicamente o surgimento da concepção de projetos e seus paradigmas, iniciando por Kilpatrick. Com olhar crítico, evidencia a lógica capitalista e a mudança ideológica que abarca um processo de controle que foi assumido por instituições empresariais, que não contribui para uma pedagogia desobediente. Finaliza aprofundando o aprender a partir de projetos para uma Pedagogia desobediente, e mostra a perspectiva a que se reporta ao falar de desobediência, fortalecendo o pensar sobre o aprender como um devir.
No capítulo 2, intitulado El papel del deseo en la relación pedagógica. O cómo posibilitar un currículum deseante como paisaje de reinvención, de autoria de Marisol Anguita e Sandra Prat, contribuições importantes para pensarmos o processo de devenir na construção de espaços de escutas e acolhimentos do desejo do que se relaciona com a vida de grupo, no coletivo, no movimento da reinvenção da sala de aula.
O capítulo 3 Aportaciones sobre una pedagogía de los afectos, O cómo sentirse afectada y dejarse afectar, de autoria de Marisol Anguita, inicia uma reflexão constituída pelo grupo Pedagogia Educativa dos Projetos de Trabalho que corresponde ao aprender com sentir-se afetado e o que ele provoca. Também traz os encontros que teve sobre com o grupo acerca das pedagogias afetivas tecidas através da prática pedagógica, mostrando uma experiência multimodal do uso de cartografias, leituras e experiências de aulas, resultando em produções e movendo afetos, considerando a aula como um lugar de encontros e histórias.
O capítulo 4, intitulado Sujetos biográficos. O cómo lo que somos se piensa mientras construimos nuestro relato colectivo, de autoria de Eli Aznar e Marisol Anguita, traz uma narrativa entrelaçando histórias pessoais e coletivas a partir de diálogos e compartilhamentos, em um movimento de pensar juntos, atravessadas pelas contribuições de Deleuze, e destaca a experiência na Escola Baró de Viver, situada em um bairro de Barcelona. As narrativas mostram a presença da subjetividade que constitui a experiência com crianças e suas relações com contextos que ultrapassam os universos escolares.
No capítulo 5, La conversación cultural como eje del aprendizaje con sentido, escrito por Aida Mallofré e Juanjo López, é apresentado um convite para pensar o diálogo em sala de aula como forma de refletir o processo de aprendizagem significativa, entendida como conversa cultural, que possibilita promover o pensamento crítico através de letramentos múltiplos e relações de dualidade dentro e fora da escola.
O capítulo 6, intitulado La vida del grupo como lugar para ser en compañia. O cómo nos abrimos al mundo para crear nuestro mundo, escrito por Irati Lerga e Marisol Anguita, oferece olhares cruzados através dos quais a vida do grupo é apresentada em sala de aula e como somos construídos a partir dos significados que cada história tem.
O capítulo 7, El papel del diálogo em la relación pedagógica. O cómo unas mentes solitarias se pusieron a conversar y a combatir así su miedo a no conocer, escrito por Jaione Arróniz e Marisol Anguita, mostra a perspectiva educativa dos projetos de trabalho como possibilidade de preenchimento nos espaços de aprendizagem de vida, que ocorrem a partir da diversidade, em um processo horizontal com diálogo entre iguais. Assim, promove a cooperação intelectual, a discussão fundamentada e a avaliação de diferentes posicionamentos.
O capítulo 8, intitulado Con boli azul o con boli negro? El difícil trabajo de construir la desobediencia, de autoria de Jordi Domênech-Casal, apresenta contribuições para estruturar a Pedagogia no século XXI, com expectativas de uma educação emancipadora e a construção de uma cidadania crítica a partir das escolas. O autor convida a avançar em direção à transformação das relações de poder nas escolas, e questiona: será necessário aprender a desobedecer? Para entender o caminho, vale a pena dar apoio, acompanhar, passar do argumento de autoridade para a autoridade do argumento. Outro questionamento apresentado é: será possível formar um cidadão crítico e ensinar a ser desobediente a partir da escola com o uso de metodologias tradicionais? Na transição para a independência na gestão do conhecimento ou autogestão das interpretações individuais de cada aluno, é apresentada a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP). O que é e como implementá-lo são perguntas que encontram respostas nessa proposta, que também destaca alertas para aprender a ouvir e observar os barulhos que levam os professores a repensarem o papel e as formas como a avaliação e as liturgias escolares são estruturadas.
O capítulo 9, intitulado DE-GENER-ANDO Proceso de acompañamiento y aprendizaje colectivo sobre genero y diversidades, é escrito por Alba Castelltort Valls, Esther Gonzàlez De Vicente e Andrea Richter Boix. As autoras nos convidam a pensar em projetos futuros sem a abordagem tradicional das relações de poder. Ainda apresentam o questionamento: como a pedagogia desobediente entende as relações de poder? Segundo as autoras, o desafio continua sendo ceder poder ao aluno, renunciando o domínio dos professores e ajustar seu papel no processo de aprendizagem, que não está alheio a questões como gênero e todas as formas e estruturas em que a diversidade se apresenta.
Já o capítulo 10 foi escrito por Fernando Hernández-Hernández e Aurelio Castro Varela, intitulado (Re)ensamblar imágenes, esbozar desplazamientos y proyectar subjetividades para aprender de manera colectiva a partir de establecer relaciones. Os autores contribuem com o caminho para a Pedagogia Desobediente em um modelo experiencial de aprendizagem através da investigação em um contexto da Pandemia da Covid -19, com alunos da disciplina Visualidades Contemporâneas, durante o curso, em 2020-2021. Os autores compartilham, de forma estratégica, como a visualidade é utilizada como recurso para demonstrar, aos estudantes de graduação de Bellas Artes, que nas salas de aula convergem diversidade de imagens projetadas por individualidades e coletividade, e cabe ao professor destacar e complementar a construção da formação do pensamento crítico em quem aprende.
No capítulo 11, escrito por Lia Vives Parés, intitulado Compartir aquello que no puede ser enseñado, a autora, a partir de suas experiências, mostra o processo de construção coletiva de elementos que tornam o currículo transversal nas escolas, e que são essenciais para o aprendizado da desobediência. Ela estabelece novos roteiros e novas conexões. A autora apresenta transformações nas formas de ensinar, começando por aprender a aceitar os silêncios e as reticências. Confiar nos alunos é a segunda transformação que facilitará a transição para as outras mudanças, perdendo o controle, conectando-se e, finalmente, ativando a imaginação pedagógica.
Finalizando o livro, o capítulo 12, intitulado El Grupo de la Perspectiva Educativa de los Proyectos de Trabajo (PEPT): generar saber en compañia, foi escrito por Mariane Blotta Abakerli Baptista. A autora apresenta os fundamentos que norteiam a trajetória da maioria dos autores que participam do livro e o vínculo com a Universidade de Barcelona. Também demonstra como eles têm trabalhado progressivamente na construção do conhecimento pedagógico a partir de uma atitude indagadora.
O livro apresenta uma série de histórias que compartilham saberes e experiências na educação infantil, primária, secundária e universitária. Essas histórias são entrelaçadas e dialogam para apresentar o que seria uma Pedagogia Desobediente, que se relaciona com um ethos pedagógico, que promove a criatividade, atuação e as diferentes formas de aprender. Assim, abre espaço para o inesperado e contesta o pré-determinismo nas situações dos processos de ensino e aprendizagem.
O livro será publicado no Brasil, pela Editora Penso, Grupo A, a obra reúne um corpo teórico-prático de projetos de investigação para pensarmos ecologias do aprender, como formas de priorizar, por meio de indagações, os processos de ensino e aprendizagem como dimensões dialógicas, reflexivas e desobedientes no campo da educação.
Submetido em: 19.08.2024.
Aprovado em: 09.02.2025.